Torto Arado
“Aquele tempo parecia ter passado com violência para ela, agora mãe de um menino. Pude ver seus seios despontarem da roupa que vestia, cheios, caídos de amamentar Inácio. Mas isso nada significava para nós mulheres da roça. Éramos preparadas desde cedo para gerar novos trabalhadores para os senhores, fosse para as nossas terras de morada ou qualquer outro lugar onde precisassem. A constatação que fazia era apenas em respeito à passagem de minha irmã da infância para a maturidade
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Meu pai havia nascido quase trinta anos após declararem os negros escravos livres, mas ainda cativo dos descendentes dos senhores de seus avós. Minha avó, Donana, tinha dado à luz o filho José Alcino em meio a uma plantação de cana na Fazenda Caxangá. Ele nasceu no meio de um charco, porque não haviam permitido que sua mãe deixasse de trabalhar naquele dia. Meu pai veio ao mundo cercado das mulheres que, assim como minha avó, cortavam apressadas a cana sob a vigilância dos capatazes da fazenda. Donana dizia que ele nasceu com os olhos esbugalhados e não chorou nos primeiros minutos. Quase sem forças o levou ao seio para que tomasse de seu peito. Somente depois de saciado deu um berro, que pôde ser ouvido de longe, anunciando sua chegada.
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De Donana só sabíamos que a chamavam assim, nem sabíamos o nome que sua mãe ou seu pai haviam lhe dado. Minha mãe apenas dizia que deveria ser Ana. Quando morreu, não tinha sequer documento, e como foi enterrada no cemitério da Viração, ninguém reclamou.