Quando empresários são sinceros.

E dizem que o desemprego deve aumentar pra “educar” os trabalhadores.

Paulo Pilotti Duarte
8 min readSep 15, 2023
Photo by Lian Begett on Unsplash

Que empresáros bilionários não deveriam existir, todo mundo sabe. O novo movimento do home office, contudo, trouxe um atrito maior dentro das empresas: o poder de barganha dos funcionários. Muitas empresas viram a necessidade e a ideação do modelo como forma de atrair funcionários de diversos locais, atraindo talentos de diversos estados e países. Outras, no entanto, se agarram a uma cultura de escritório e seguem forçando a ida até o antigo local de trabalho. Nesse meio tempo, uma guerra entre trabalhadores e empresas surgiu e, em uma das primeiras vezes desde as revoltas pós-guerras, os trabalhadores começaram a ter ganhos no terremo empretício.

Por isso mesmo, as falas do CEO que eu nem sei o nome, repercutiram. Não pelo absurdo, que são, mas pelo teor sincero delas. Aquilo ali, aquelas falas, aquele pensamento. É com aquilo que os CEOs e os empresário acordam todos os dias. O trabalhador não é um ativo da empresa, ele é uma posse (na cabeça desses empresários). Essa guerra está longe de terminar, para nossa sorte, a GenZ parece estar mais disposta a bater de frente com o pessoal da cadeira e resolveu comprar essa briga. Isso pode ser visto no LinkedIn e em tantas redes de empregos e sociais.

O Nexo publicou uma matéria boa sobre isso:

Como a fala de um CEO sobre home office ecoa a luta de classes

Empresário australiano defendeu o aumento do desemprego como forma de ‘educar’ funcionários. Fala teve ampla repercussão negativa.

Uma fala de um empresário em um evento na Austrália teve grande repercussão nesta quarta-feira (13). Tim Gurner, dono da Gurner Group, incorporadora de imóveis e rede de clubes de alto luxo, chegou a defender que empresários provoquem uma onda de desemprego para encurralar funcionários e obrigá-los a voltar a trabalhar presencialmente.

Falando na conferência, Gurner afirmou que, depois do auge da pandemia da covid-19, funcionários voltaram desmotivados e “arrogantes” ao trabalho, e que seria necessário aumentar o desemprego em até 50% para que trabalhadores entendessem que “devem ser gratos ao patrão, e não ao contrário.” O vídeo com a fala de Gurner viralizou, e ele foi alvo de milhares de críticas no X (antigo Twitter), TikTok e Instagram. Após a repercussão, o empresário pediu desculpas usando o LinkedIn.

A fala é individual e não foi amparada por outros empresários ou executivos de alto escalão. Mas a perspectiva de Gurner evoca uma posição extremista a respeito de uma disputa real entre patrões e funcionários de escritórios ao redor do mundo. A tensão está relacionada à volta ao modelo 100% presencial pré-pandêmico e a manutenção de um modelo de trabalho home-office ou híbrido.

Neste texto, o Nexo apresenta quem é Gurner e como a fala dele é ilustrativa do mundo do trabalho depois da covid-19.

A fala

Tim Gurner é uma das 200 pessoas mais ricas da Austrália, com um patrimônio de 929 milhões de dólares australianos (cerca de R$ 2,8 bilhões). Ele começou a construir sua fortuna no início dos anos 2000, com uma construtora e incorporadora imobiliária especializada em empreendimentos de luxo. Hoje, ele tem cerca de 5.700 imóveis ao redor do país.

A declaração que gerou críticas foi feita em uma conferência para executivos promovida pelo jornal australiano Financial Review. Gurnett falava sobre a produtividade dos trabalhadores de sua empresa e da Austrália como um todo após a pandemia da covid-19.

“Houve uma mudança de perspectiva na qual os trabalhadores acham que o empregador tem sorte de tê-los como funcionários. Precisamos lembrar as pessoas que é o contrário, elas trabalham para os patrões”, afirmou.

“Precisamos diminuir a arrogância dos funcionários, precisamos ver sofrimento na economia. A taxa de desemprego deveria subir de 40 a 50%, na minha opinião”, disse. Os índices de desemprego na Austrália estão em 3,7%. O aumento proposto pelo empresário faria com que cerca de 200 mil pessoas perdessem o emprego no país.

O vídeo com a fala de Gurner acumulou 23 milhões de visualizações na quarta-feira (13), acompanhado de fortes críticas.

“O pior é que sabemos que ele disse algo que outros donos de grandes empresas pensam. Com certeza há leitores deste jornal que concordam com ele”, escreveu Mark Di Stefano, colunista do jornal que organizou o evento.

Na madrugada de quinta-feira (14), Gurner escreveu um pedido de desculpas no LinkedIn.

“Fiz comentários que me arrependo e que foram errados”, afirmou. “Minha fala foi insensível a trabalhadores e famílias ao redor da Austrália que estão sendo pressionados pelo cenário da economia. Peço desculpas pelas minhas palavras não terem empatia por pessoas nessa situação.”

Não foi a primeira fala de Gurner que foi criticada. Em 2017, durante uma entrevista, o empresário falou que millennials — nascidos entre 1985 e 1994 — deveriam parar de “comer torradas com abacate” — prato comum no café da manhã australiano — e guardar dinheiro para comprar uma casa.

As disputas

Gurner acredita que o trabalho remoto imposto pela pandemia da covid-19 foi parte fundamental na queda de produtividade e no “aumento da arrogância” dos funcionários.

Mesmo sendo uma fala individual, ela ilustra tensões que estão pairando entre empregadores e funcionários no mundo todo acerca da volta a um modelo de trabalho 100% presencial.

A maior parte dos funcionários prefere manter o sistema home office ou um modelo híbrido — que alterna dias de trabalho remoto e de trabalho presencial. Pesquisa do Instituto Datafolha divulgada em dezembro de 2022 mostrou que 52% dos brasileiros preferem o home office ou o modelo híbrido.

Patrões, por outro lado, preferem o presencial. De acordo com a consultora americana de Recursos Humanos Liz Ryan, a resistência vem de uma falta de confiança dos supervisores nos próprios funcionários e neles mesmos.

“Líderes que não confiam em si mesmos o suficiente para contratar pessoas em quem confiam sempre vão se voltar a mecanismos de poder e controle”, afirmou em sua coluna na revista Forbes.

“Isso inclui forçar as pessoas a dirigirem um carro ou pegar um trem todos os dias para que possam ser supervisionadas de perto”, acrescentou. “Eles acreditam que um funcionário que está trabalhando em casa está na verdade assistindo novelas e comendo chocolate em vez de realizar as tarefas”, concluiu.

O coro foi engrossado por Prithwiraj Chouhdhury, professor de Geografia do Trabalho na Escola de Negócios da Universidade de Harvard.

Em texto publicado no blog da instituição em agosto de 2019, Choudhury afirmou que há uma outra preocupação além da ideia de que os funcionários trabalhariam menos se estivessem em casa.

“Há também preocupações de que permitir que funcionários trabalhem de qualquer lugar poderia resultar na queda de comunicação e colaboração entre colegas de trabalho e pode diminuir o aprendizado informal que ocorre no ambiente de trabalho”, disse.

Grandes empresas de tecnologia como a Apple, a Amazon e a Meta determinaram que seus funcionários deveriam voltar ao trabalho presencial de forma mandatória.

“A colaboração presencial é essencial para nossa cultura e nosso futuro. Nossos grandes lançamentos foram construídos com base nos trabalhos que fizemos presencialmente por anos”, disse a Apple em nota em 2021, quando passou a obrigar os funcionários a voltarem para o escritório.

Funcionários da Apple assinaram uma carta conjunta contestando a decisão. “Muitos de nós sentem que devem escolher entre nossas famílias, nossa saúde mental e a capacidade de realizarmos o melhor trabalho; ou então optar por ser parte da Apple”, afirmaram.

No Brasil, uma defensora da volta total ao presencial é a empresária Cris Arcangeli, CEO da BeautyIn e ex-jurada do programa “Shark Tank Brasil”.

“Sou contra o home office. É impossível desenvolver a cultura de uma empresa com colaboradores separados em suas casas”, afirmou durante evento em julho de 2023. “Quando você fica fechado dentro do seu mundo, você só vai acreditar e pensar nas coisas que estão dentro da sua bolha e não se tem contato com outras realidades.”

Para Ryan Luby, consultor da empresa McKinsey & Company, as disputas continuarão acontecendo, sem muita resolução entre patrões e empregados. “Um aumento do desemprego pode dar aos patrões mais poder, mas as expectativas dos funcionários por flexibilidade não vão desaparecer”, disse à BBC em maio.

Estudo do centro de pesquisas americano EY-Parthenon publicado em maio mostrou que a obrigatoriedade da ida ao escritório foi responsável por uma queda de 5% nos índices de produtividade de trabalhadores nos Estados Unidos — a primeira registrada desde 1948.

“É uma questão de confiança”, disse Gregory Daco, líder do estudo, à revista Fortune. “Os patrões devem confiar que os funcionários produzirão o mesmo em casa do que no escritório. Mas alguns líderes acham que isso é impossível.”

Daco acredita que empregadores e funcionários chegarão em um meio termo, que mudará de acordo com as necessidades de cada indústria. “Não será um tudo ou nada, talvez fiquemos com dois ou três dias no escritório se tudo permanecer normal, quatro se o mercado der uma desacelerada”, afirmou.

A luta de classes

A fala de Tim Gurner dialoga com o conceito de luta de classes, consagrado pelo filósofo alemão Karl Marx (1818–1883).

Para Marx, a sociedade capitalista é dividida em duas classes principais: a classe trabalhadora (proletariado) e a classe proprietária dos meios de produção (burguesia). Em sua visão classes têm interesses fundamentalmente opostos. O proletariado, composto pelos trabalhadores assalariados, busca melhores condições de trabalho, salários justos e dignidade no local de trabalho. Em contrapartida, a burguesia, detentora dos meios de produção, busca maximizar seus lucros e manter seu poder econômico.

Marx acreditava que essa contradição fundamental de interesses inevitavelmente levaria a conflitos e lutas entre as classes, que culminariam na transformação da sociedade, com a classe trabalhadora eventualmente derrubando a burguesia e estabelecendo uma sociedade sem classes, na qual os meios de produção seriam propriedade comum de todos — o comunismo.

Assim, a luta de classes é vista por Marx como o motor da mudança social, impulsionando a história em direção ao comunismo, onde a exploração e a desigualdade seriam eliminadas. Para ele, essa luta não era apenas um fenômeno eventual, mas uma característica inerente ao sistema capitalista.

Parte importante da luta de classes é que a burguesia tem o poder de sancionar o proletariado quando os trabalhadores vão contra seus interesses — na fala de Gurner, o aumento do desemprego para diminuir a suposta “arrogância” dos funcionários.

Na visão de Marx, para que o capitalismo continue funcionando, é necessário um “exército industrial de reserva”.

O termo é usado por Marx para se referir à parcela da população trabalhadora que não está empregada de forma constante ou permanente dentro do sistema capitalista. Essa reserva de mão de obra inclui desempregados, subempregados e aqueles que estão temporariamente fora do mercado de trabalho.

Marx argumenta que o capitalismo mantém essa reserva como uma ferramenta essencial para regular os salários e manter o controle sobre a classe trabalhadora. Quando a demanda por trabalho aumenta, os capitalistas podem recrutar trabalhadores dessa reserva a taxas de salário relativamente baixas, já que a concorrência por empregos é intensa. Isso ajuda a conter a pressão salarial e a maximizar os lucros.

Além disso, o exército industrial de reserva atua como um mecanismo de disciplina sobre os trabalhadores empregados, mantendo-os submissos e dispostos a aceitar condições de trabalho desfavoráveis, uma vez que a ameaça do desemprego está sempre presente. É a ideia de que se um trabalhador não quiser aceitar as condições impostas pelo empregador, vai haver quem queira.

REF: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2023/09/14/Como-a-fala-de-um-CEO-sobre-home-office-ecoa-a-luta-de-classes

O antidoto publicou um ótimo vídeo sobre isso também:

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Paulo Pilotti Duarte
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