Páscoa

Paulo Pilotti Duarte
4 min readMay 7, 2023

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Photo by Hulki Okan Tabak on Unsplash

Começando mais um feriado de páscoa na sexta, o que pra quem trampa CLT é muito bom sempre, eu almocei na casa do meu pai, depois de anos indo apenas aos domingos por lá, nessa sexta-feira do aniversário de morte do JC, almocei por lá.

Não que isso um acontecimento, não é. Mas enquanto eu estava lá eu me lembrei de um vídeo que eu vi na semana passada sobre envelhecer, onde o autor dizia:

O pior de envelhecer não é o corpo parar de responder ou a idade ser visto nos cabelos e no rosto; o pior de envelhecer é constatar que aqueles que você ama também estão envelhecendo.

E eu vi isso. Meu pai, que na minha infância e adolescência não foi nenhum exemplo, melhorou muito com a chegada da minha irmã. Ao mesmo tempo, envelheceu. É idoso hoje em dia. 63 anos, jovem ainda, eu sei, mas ele não é mais o cara que eu via quando eu tinha 16 anos. Agora eu que tenho que erguer peso pra ele, carregar armários e ajudar ele nas coisas de tecnologia (um lembrete que meu pai é programador aposentado) porque ele não consegue mais entender ou fazer isso direito. Bom, eu às vezes recorro aos meus irmãos novos também para entender.

Mas o que mais me pegou foi ver a fragilidade dele. Domingo anterior ele estava fritando bolinhos de peixe, um bolinho explodiu e queimou todo os braços dele. Antigamente ele não estaria dando tanta bola pra isso, mas hoje, as manchaes da queimadura estão lá junto dos cabelos brancos, da barba branca, dos óculos grossos e da lembrança de como ele é perene. O problema é exatamente esse: as pessoas que amamos também envelhecem.

Volto pra minha casa, onde moro com a minha mãe, e ela está deitada. Outra idosa, 64 anos. Agora com câncer de pele (nada grave) se recuperando de alguma coisa que não sabemos ainda se é efeito colateral da vacina, uma nova onda de COVID ou um gripe comum. Na dúvida, cama pra descansar da vida. Minha mãe ainda não se aposentou. É professora, dá aula em duas escolas. O governador retira paulativamente direitos e dinheiro dela, mas ela segue. Não vou dizer que por amor à profissão, porque ela já quis sair várias vezes, mas porque é o que ela gosta de fazer, o que ela sabe fazer e o que ela mais se sente em casa quando faz. Minha mãe ainda é uma mistura de força com fragilidade. Acorda às 6h e vai dar aula, todos os dias. Durante alguns anos ainda cuidou da minha avó com 88 anos. Ainda cuida do irmão problemático e ainda tem tempo de dar atenção pro meu irmão e pra mim. Meninos sempre voltam pras suas mães.

A vida dela é bastante dura, desde que eu nasci e do casamento do meu pai. Como eu disse, ele não foi um exemplo de pai, mas menos ainda foi de marido. Eu perdooei ele com o tempo. Mesmo que nós nunca tenhamos falado sobre isso abertamente. Espero que minha mãe perdoe meu pai quando ela puder (não, não tinha agressão e nem bebedeiras, era só babaquice dele).

Mesmo assim, minha mãe foi a primeira (e única) das irmãs a ter ensino superior. E mestrado. Contra todos e tudo, via PROUNI (e é por isso que o Lula é o que é aqui em casa) quando ela mal tinha dinheiro pra comer. Me lembro do meu pai ter levado meu irmão pra sair enquanto eu comia bolo de farinha (que é só farinha) com café preto com ela. Quem não passa por isso não pode falar sobre dificuldade. Mas eu sempre estava admirando ela, mesmo com as brigas e com os problemas da relação mãe e filho. É normal, e eu espero que ela me perdoe pelo que eu fiz na minha adolescência. Como eu disse, Meninos sempre voltam pras suas mães.

Mas voltando pra sexta-feira, ela estava na cama, frágil já. Dormindo. Acordei ela pra dizer que eu e meu irmão tínhamos chegado e fui pro banho. Ela foi fazer café da tarde pra gente (porque aqui em casa tomar café é sagrado). E eu não conseguia tirar da cabeça a frase de que ao envelhecer todos os que amamos se vão em algum momento.

Não é o momento de ninguém perto de mim. Mas já foi. Duas avós, quatro amigos. Uma grande número de pais de amigos, de avós de amigos. A vida vai levando aqueles que, na minha infância, eram os que faziam o trabalho duro e nos deixavam do lado para aprender. Eu estou com 40 anos, meu amigos todos nessa faixa, pais e mães. Os seus pais batendo nos 70 anos. E a vida vai levando todo mundo, no seu ritmo, passando o tempo, inexoravelmente.

Curta seus pais, aqueles que podem, enquanto eles estão por aqui, mesmo que fragéis.

E se lembre: Meninos sempre voltam pras suas mães.

PS: a frase é do filme Adam Project.

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Paulo Pilotti Duarte
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