Perdemos a vontade de viver.
A Sarah O’Connor, do Financial Times, resolveu usar o seu discman (presente que ela ganhou em 1997) em 2024. Sem surpresa, ela descobriu que o som do CD é muito melhor do que o som que estamos acostumados hoje em dia nas plataformas de streaming (tirando, talvez, as plataformas como Apple Music, qobuz e Tidal, que oferecem aúdio HiFi; mas essas não são tão populares e nem tão baratas) como o Spotify.
Meus ouvidos não me enganaram. Os CDs têm uma taxa de bits de 1.411 kilobits por segundo, que é uma medida de quantos dados são usados para representar o som. O Spotify Premium varia de 24 kbps a 320 kbps, enquanto os ouvintes gratuitos do Spotify estão limitados a 160 kbps, na melhor das hipóteses.
Teoricamente, como ela mesma fala, nós trocamos qualidade por comodidade (isso vale pra filmes e séries também) ao abraçar as plataformas se streaming com seus conteúdos mega-compactados. O problema, novamente ela mesma diz isso, é que nós sequer nos lembramos como era o som quando a gente ainda ouvia CDs. Ela até cria (?) a palavra qualitynesia para esse fenômeno (em português seria algo como qualitinesia?).
Outra citação:
Isso não é novidade. Em *The Road to Wigan Pier*, de 1937, George Orwell argumentou que um século de mecanização havia piorado a qualidade dos alimentos, móveis, casas, roupas e entretenimento, mas que a maioria das pessoas não parecia se importar com isso. No entanto, ele culpou “a terrível devassidão do gosto” em vez da amnésia coletiva. “A mecanização leva à decadência do gosto, a decadência do gosto leva à demanda por artigos feitos à máquina e, portanto, a mais mecanização, e assim se estabelece um círculo vicioso”, escreveu ele.
E estamos vendo isso cada vez mais, com módeis de MDF, comidas ultraprocessadas, casas modulares com projetos que não atendem às características climáticas de cada região entre outros.
Eu não acho que, como ela diz, nós nos esquecemos da qualidade do som dos CDs. Ou como o Orwel disse, somos escravos da devassidão do gosto. Não. Acho que apenas nos tornamos mais alheios a cadeia produtiva (alienados de como as coisas são feitas) por conta do capitalismo mesmo. Ouvimos musica como ruído de fundo para trabalhar. Comemos na frente da TV porque trabalhamos tanto que, se não for durante as refeições, não conseguimos ter um momento de entretenimento.
A sociedade atualmente não permite que um trabalhador tenho luxo de parar 3h do seu dia para preparar uma refeição, comê-la digerí-la e depois arrumar a sua casa e ver um pouco de TV. Assim como não somos mais permitidos sentar e ouvir um álbum completo. Consumimos livros em pé a caminho do trabalho; trabalhamos conectados com podcasts e músicas (ou ruídos) pra ajudar a nos concentrar em um trabalho inútil. Comemos rápidamente para poder estar em dia com a série nova, ou assitir ao filme novo que vai concorrer ao Oscar. Dormimos a base de remédios para poder descansar (se é que dencansamos) para acordar e trabalhar ainda mais no outro dia.
Nos foi negado qualquer pedaço de prazer, cultura e paz. A prova disso é que sequer nos lembramos de como era o som do CD ou de um LP.
E a tendência é pior na medida em que as nossas peças de entretenimento estão sendo produzidas com ajuda de IA.