Os donos de Porto Alegre
O que aconteceu com Porto Alegre? Como a cidade que inspirou utopias democráticas e igualitárias, entre os anos 1990 e o início dos 2000, se tornou um pólo do “liberalconservadorismo” brasileiro? Como a cidade do Orçamento Participativo e do Fórum Social Mundial elege prefeitos que destroem as instituições participativas e apoiam explicitamente políticos e políticas de extrema-direita? Como uma cidade que foi pioneira na luta ambiental e no planejamento urbano se encontra atualmente submetida ao “vale-tudo” do mercado?
O sociológo Marcelo Kunrath Silva inicia assim o seu artigo intitulado Os “donos” de Porto Alegre, publicado em junho de 2014 no GPACE — Grupo de Pesquisa Associativismo, Contestação e Engajamento. No artigo é feita uma dissecação da rede de relaciomamentos da direita porto-alegrense (centralizada no atual Prefeito Sebastião Melo) e em como a classe empresarial organiza-se ao redor de uma agenda liberal de sucateamento do estado com think tanks, tráfico de influências e cargos comissionados; utlizando-se da mídia bairrista para propagar as ideias e ideais liberals através de programas e colunistas, notadamente da RBS.
Pode ser surpresa para quem nunca morou no RS ou em POA que exista esse tipo de rede, articulada sob escudos de ONGs, para propagação de ideais de direita. Mas POA, do mesmo modo que criou toda uma esquerda (com FISL e FSM) criou uma direita (com FdL, Caldeira e Floresta) que se tornou tão combativa, forte e influente quando o PT dos anos 90. Pense no mesmo fenômeno que cria a rivalidade GreNal. Um puxa o outro. A diferença é que a esquerda precisa suplantar dinheiro, mídia e uma rede articulada pelo país inteiro e abastecida com dinheiro de grandes empresários.
O artigo vale a leitura, mas destaco os trechos:
Um desses nós é o próprio prefeito Sebastião Melo (MDB). Segundo o pesquisador, há “íntimas e intensas relações” entre pessoas e empresas com políticos que representam seus interesses no Executivo e no Legislativo. “São esses agentes que têm atuado ativamente na mudança ou instituição de leis e políticas”, resume. O prefeito é quem tem mais vínculos — são 35 — com esse ecossistema. Essas conexões são evidenciadas pela campanha vitoriosa de Melo em 2020, na qual os principais doadores vinham de famílias como Gerdau, Ling, Goldsztein, Hertz e Melnick — algo que já havia sido mostrado em capítulo do livro Reforma Urbana e Direito à Cidade, organizado pelo Observatório das Metrópoles.
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Exemplo desse vínculo se dá em um contrato de comodato — isto é, um empréstimo gratuito — entre a prefeitura e a construtora Melnick, acordo que ainda não foi divulgado pela administração pública, mas ao qual a Matinal teve acesso. A empresa emprestará mobília de escritório ao Executivo — uma ação “necessária à gestão da crise ocasionada pelo estado de calamidade pública decretada em virtude das enchentes de maio de 2024”, segundo justifica a Procuradoria-Geral do Município (PGM), em um documento interno.
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De acordo com uma fonte da prefeitura que preferiu não se identificar, os móveis serão usados no Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática da cidade. Recém-criado, o órgão é dominado por cargos comissionados do alto escalão do governo Melo, conforme revelado pela Matinal.
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Gerdau Johannpeter (com André Bier Gerdau Johannpeter, Jorge Gerdau Balbi Johannpeter, Richard Gerdau Johannpeter e Klaus Gerdau Johannpeter), Ling (com William Ling e Wilson Ling), Goldsztein (com Claudio Nudelman Goldsztein), Fração (com Luiz Leonardo Abelin Fração), Vontobel (com Rodrigo Vontobel), Zaffari (com Bruno Zaffari) e Logemann (com Eduardo Logemann).
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Um dos conectores desses empresários é o Instituto Cultural Floresta (ICF), organização não-governamental (ONG) conservadora, composta por 55 donos de grandes companhias gaúchas, que direciona políticas públicas de segurança no estado.
O ICF é também composto por entidades que investem ou apoiam o Instituto de Estudos Empresariais (IEE), think thank liberal gaúcha que organiza anualmente o Fórum da Liberdade. A holding Évora S.A., da família Ling, e a Gerdau figuram entre as empresas conectadas à organização — em conjunto com a produtora bolsonarista Brasil Paralelo.
“Praticamente todas as famílias e indivíduos com maior centralidade na rede têm vínculos diretos com o IEE, com seus membros ocupando posições na diretoria do Instituto ao longo do tempo. Alguns casos exemplificam essa articulação: Luiz Leonardo Abelin Fração, atual presidente do ICF, foi presidente do IEE nas gestões 2003–2004 e 2009–2010; Bruno Zaffari, conselheiro do ICF, ocupou a presidência do IEE na gestão 2013–2014; e William Ling presidiu o IEE nas duas primeiras gestões, em 1984–1985 e 1985–1986”, diz o trabalho.
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Outra organização com vínculos numerosos com os “donos de Porto Alegre” é o Instituto Caldeira, organização fundada em 2021 por 42 grandes empresas “com o propósito de impulsionar transformações através da inovação”, segundo diz seu site. Conforme reportagem da revista Exame, essas instituições são responsáveis por 15% do produto interno bruto (PIB) do Rio Grande do Sul. Localizado no 4º Distrito, ficou sob dois metros de água na enchente de maio. Entre seus criadores estão empresas como Gerdau, Évora, Zaffari, SLC e Neugebauer, com presença também do Grupo RBS.
O Caldeira tem vínculo financeiro também com a prefeitura de Porto Alegre: a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SMDET) aluga uma sala na sede do instituto, ao custo anual (dados de maio de 2024) de R$ 550.344,96. O aluguel do espaço coincide com uma série de leilões de imóveis próprios pelo governo Melo
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Você precisa estar muito lesado para não perceber como isso tudo é problemático. E se precisar de provas, se lembre das enchentes de maio/24 com suas casas de bomba desligadas, comportas sem manutenção e com a constante ameaça de uma privatização do DMAE. Se precisar, ainda pode se lembrar da tempestade de jan/24 e das 48h sem luz na cidade, da Equatorial (grupo que arrematou a SABESP em jun/24) deixando até o prefeito e o governador sem respostas.
Esses grupos tem um projeto de destruição. Você só precisa seguir o dinheiro.