A esquerda da USP não conhece o Brasil.

Paulo Pilotti Duarte
4 min readMay 31, 2021

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A grande treta do domingo foi a performance artística da personagem “Tina”, do canal “A Vida de Tina”. Para além da minha opinião (abaixo) sobre a qualidade humorística da artista, ficou o sabor amargo da falta de critérios que ela teve ao fazer isso num protesto contra o Bolsonaro e suas políticas de combate à pandemia e auxílio à população. Enquanto muitas — a maioria — das pessoas entendeu que o momento foi errado e que a intervenção foi fora de hora, outro grupo, de burgueses acadêmicos, se perdeu numa narrativa de desconstrução de algo que nem eles mais sabem o que é.

Um amigo meu resumiu toda essa discussão com uma frase ótima:

“Eles querem transformar tudo, até um luto nacional, em algo sobre eles, algo em que eles tão no centro.”

Mas vou além.

A esquerda uspiana-artística (arquitetura e artes)ficou MUITO braba que tão metendo o pau na Tina. Esse pessoal que pensa que entende de tudo no mundo. As pessoas pensam que estão sendo mega “artísticas” sem perceber que i) a crítica dela sempre rasa e baseada num estereótipo de 1% da esquerda brasileira (mas que encontra ressonância exatamente na parcela artística da USP) e ii) ela errou o momento, o “punchline” da piada quando fez isso ontem em cima de 460 mil mortos e de 2/3 da população com fome. Mas na cabeça de um professor da USP, enfurnado no AP dele, no centro de SP, a esquerda “não entendeu o recado”.

E quanto interposta com a indignação do povo comum que foi ao protesto para dar vazão a sua ansiedade, começa o carteado identitário de que as críticas que ela sofre são fruto de machismo.

Stalinismo, machismo e efeito manada. Porque obviamente não pode criticar ela, uma mulher, por fazer um trabalho que é ruim, essencialmente. O que se torna, no final, o mesmo, EXATAMENTE, o mesmo caso quando o pessoal do PSOL começou a tacar o Dória porque ele “silenciou” a Bia Kicis. Esse pessoal vive no mundo da lua. Num mundo de faz de conta. Numa esfera burguesa.

Nenhuma discussão desse tipo deveria ser válida. Se essa elite intelectual e econômica é algo que lhes é caro, que eles fiquem em roda, debaixo de uma árvore, debatendo os rumos da arte performática de protesto no Brasil de Bolsonaro. O povo precisa de comida, emprego e segurança. Coisas que eles sempre tiveram.

Por isso eu tenho esse receio IMENSO em burgueses apoiando causas proletárias.

Essa esquerda burguesa é um bebê. Eles estão no meio do fogo tentando mijar na chama para apagar tudo.

Tem aquela imagem do Harry Potter (acima), do 4chan até, que o cara coloca o Harry Potter como alguém que nunca peita as coisas como são, como um agente passivo da história. E no final só vence o vilão dele lá porque o vilão erra uma magia. E que a esquerda (no caso da imagem, dos EUA), estava esperando o Trump fazer algo desse tipo para perder a eleição (e ele fez, a pandemia) ou esperar uma vitória via impeachment. Porquê? Porque a esquerda (dos EUA) só consegue pensar nesses termos. Ele é um agente passivo da história que defende o sistema que come ela mesma. Essa esquerda burguesa da USP é isso: eles defendem as instituições, o direito empresarial (que acaba sendo uma defesa do capitalismo) esperando que o Bolsonaro cometa um erro que o tire de lá — impeachment ou eleição — enquanto se preocupa com coisas alheias ao povo, com futilidades e frugalidades que só fazem sentido dentro do mundinho deles.

Nada mais a colocar, é isso. A saída (dentro desses termos) é esperar que o congresso, onde 2/3 se elegeu na esteira do Bolsonaro, casse ele.

Essas pessoas até hoje não entenderam porque a impopularidade do “fica em casa” não tem relação uma lealdade ao Bolsonaro e sim é uma resposta ao patrão, ao professor uspiano, ao rico filho do médico, do juiz, do advogado; que podem, todo, ficar em casa. Enquanto ele não pode, precisa trabalhar todo o dia, às vezes entregando comida para essas pessoas. Porque o filho dele tem que assistir aula num telefone velho enquanto o filho dessa galera tem tablet e faz aula numa escola privada com laboratório de realidade aumentada. Então, vem o Bolsonaro e diz “não tem que ficar em casa, tem que viver a sua vida”. E quando confrontado com esse paradoxo (sim!) a USP xinga o Bolsonaro de genocida e o proletário de fascista.

Eu não sou um especialista em política e sociologia, mas tudo isso tá na cara de todo mundo. Está escarrado. Mas a galera que acha graça na Tina, porque se vê num espelho distorcido, não enxerga isso. Não porque são burros, mas, porque toda essa discussão é extraterrestre para eles. É algo fora da alçada de pensamento deles. A esquerda tinha que ter chamado manifestações pelo Auxílio Emergencial (AE) de R$600. Tinha que ter trancado a pauta da câmara até sair o AE de R$600 até o final desse ano. Mas não, essa burguesia estava fazendo protesto com laranja numa cesta e remix do “cadê o cheque, Michele”.

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Paulo Pilotti Duarte
Paulo Pilotti Duarte

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